domingo, 5 de dezembro de 2010

A dança das doze princesas

(Para a turma de medicina de 1973 da UFMG, com ênfase aos amigos e colegas do Hospital Júlia Kubitschek, Cláudia e Ronaldo)

Tinha apenas 13 anos. Assustada, encontrava-se encolhida num leito de enfermaria do antigo sanatório. Tinha acabado de se internar. Ele, de imediato, percebeu o medo intenso no seu olhar. De animalzinho acuado. Transferida de outro hospital, privado, vinha com o diagnóstico estabelecido: um fungo infeccionava-lhe profundamente o corpo. O tratamento seria longo e caro. Por isso fora transferida para o serviço público... Nunca, em toda vida, tinha saído de sua casa, no interior do Estado, de perto de seus pais, de sua família. Seu terror, mudo, parecia encher de desespero a tarde que findava. Medo. Medo. Procedeu ao exame de admissão. Medo. Pavor. Tranqüilizou-a como pode. Fez a prescrição que devia e foi atender a outros pacientes... O plantão prosseguia. Quando o manto da noite trouxe os escuros que aumentam a solidão e o medo, ele inquietou-se... Céus! Não podia deixar de pensar naquela menina assustada... No pavor que deveria estar experimentando. Decidido, saiu do estar médico, dirigiu-se à enfermaria. Postou-se aos pés da cama da garota, sorriu, perguntou-lhe se gostaria ouvir uma história. Inibida, ela acenou um sim com a cabeça. Ele então começou, Era uma vez, há muitos anos, num reino distante... E, voz modulada, narrou um conto de fadas, enchendo a enfermaria de princesas e príncipes, de florestas de prata e de ouro... De um baile fabuloso, num castelo iluminado do lago... De música... A Dança das Doze Princesas... Tal e qual costumava contar para os seus próprios filhos. Então, fez-se a magia. Nos olhos da mocinha, o susto e o medo cederam ao encantamento e ao sonho... E, ao finalzinho da história, ela, exaurida pela doença e pelo medo, dormia. E sorria em seus sonhos. Com passos leves, ele saiu da enfermaria, ganhou o corredor, de volta ao estar. Também sorria: sentia-se mais médico. Mais do que quando ali entrara. Aliás, parecia um anjo...
Sérgio Mudado

2 comentários:

  1. Lembro-me bem dessa historia e da voz que a entoava para mim quase todas as noites!!! Te amo Pai! Flavoca

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  2. Houve uma cena, naquela enfermaria, ainda mais curiosa. Havia no quarto, mais um par de pacientes, uma delas, uma velhinha. Ora, como o conto era "infantil" e a menina assustada, uma adolescente em desenvolvimento, o contador (o degas aqui), às vezes, receoso de estar incomodando, suspendia a narração e perguntava para a garota: Devo continuar? Ela respondia afirmativamente e eu prosseguia. A Dança das Doze Princesas é repetitiva, o herói invisível segue as princesas por 3 noites seguidas, e a repetição proporciona o que Freud descreveu, genialmente como Além do Princípio de Prazer, no qual a ansiedade ( no caso a do ouvinte) se aproxima do zero. Por isso, Flavoca, você dormia... Mas vamos ao fato curioso:na segunda vez em que interrompi a história e perguntei se deveria parar ali, quem respondeu não foi a menina, mas sim a velhota, que disse, enfática: Não pare, não pare, continue! Ela também curtia o conto de fadas, com prazer.

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