domingo, 19 de dezembro de 2010

A arte de vender um romance (II) ou a Barca de Gleyre

Monteiro Lobato, retomo esse grande escritor. Estou reencontrando sua obra infantil e, encontrando sua literatura adulta, fazendo uma leitura a lápis(para marcações) de A Barca de Gleyre - cartas de Lobato escritas ao escritor mineiro Godofredo Rangel ao longo de mais de quarenta anos. "Quarenta anos do mesmo amigo e mesmo assunto, que fidelidade..." Realmente um monumento erguido à amizade. Ainda voltarei a esta Barca (um interesse que vem exercendo em mim um magnetismo forte e ainda, enigmático), mas já indico, sem pestanejar, o livro Amigos escritos, de Sueli Tomazini Barros Cassal, editado pela Imprensa Oficial de São Paulo. No momento, considerando que este blog tem-se dedicado à criação literária, sua produção, distribuição e venda, pretendo apenas registrar que tais dificuldades são mais antigas do que imaginamos. Lobato diz a Rangel: "...nós não passamos de dois pulgões de roseira - eu um pulgão publicado; você um pulgão inédito." Ambos, porém, "inteirinhos, com os sonhos todos e a grande ânsia de criar."
Mas vamos ao que interessa e se refere ao título desta postagem. Sueli Cassal assinala a profunda admiração de Lobato por Balzac, a quem considerava "um gênio dos absolutos". Prossegue a autora de Amigos escritos: "No romance As ilusões perdidas, Balzac revela a sordidez e a mesquinharia do mundo literário e do jornalismo subvencionado, e as intrigas que envolvem a inserção do escritor no mundo capiltalista, onde o sucesso e a reputação são forjados artificialmente pelos detentores do poder." E, mais adiante: "Lobato também comungava essas ideias. Como assinala num artigo lembra que é inútil acreditar que as portas se abrem para o talento. O mundo das letras é também o mundo do tráfico de influências, da ambição desmedida, da musa Moeda. Em 1917, comenta com Rangel: Se um novo entra humilde, a pedir licença, todas as portas se fecham. É preciso aparecer de machado em punho, faca nos dentes e arrombar as portas a pontapés."
Fica aí o conselho lobatiano para os jovens autores. E, afinal, o que podemos fazer na vida além de dar o máximo de nós mesmos? O que pode muito bem incluir uns pontapés.
Quanto aos mais velhos, já atravessados pelo tempo de bem-estar físico e de saúde inabalável, pelo tempo de firmeza no passo e serenidade física, desaconselho os tais pontapés (exceto daqueles que podem se esquivar), que fatalmente acabarão em inúmeras visitas ao ortopedista e a sessões intermináveis de fisioterapia. Escutem, velhos! Le soir, o quadro do pintor francês Gleyre, passou a ser chamado pelo público de As ilusões perdidas, nome que acabou prevalecendo. Nesse quadro, a figura central representa um velho prostado, ao lado de uma lira abandonada. Com a cabeça curvada, o braço quedado, ele contempla, ao crepúsculo, uma barca que se afasta... A Barca de Gleyre.
Permaneçam assim, como o velho poeta, há beleza no abandono daquele gesto, contentem-se, suportar é tudo, ninguém falou de vitórias. Enfim: o que esperavam quando se meteram a exercer este ofício?
Sérgio Mudado

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