segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

CORTINA DE RENDA BORDADA (após a leitura de Os negócios extraordinários de Juca Peralta)

Dias atrás lhes ofereci um aperitivo para a leitura de Os negócios extraordinários de um certo Juca Peralta e agora tentarei passar direto à sobremesa, já que a leitura, para mim, foi um lauto almoço.

Vejo a leitura de obras de ficção de duas maneiras: 1) a das obras que nos impelem para uma leitura açodada, como se o livro nos empurrasse para o final – geralmente o gênero de suspense, por exemplo, nos obriga a procurar rapidamente o fim, porque, de certo modo, “temos que descobrir” o mistério; e 2) a daquelas obras que nos levam à maturação de muitas das idéias que estão ali e nos levam a querer saber mais não apenas sobre a própria história, mas também como ela foi construída.

Os negócios extraordinários de um certo Juca Peralta pertence ao segundo tipo. É um livro cheio de suspenses, perigos, incertezas, ameaças e, no entanto, nada disso é irrefletido; ou seja, não vamos de cambulhada atrás dos acontecimentos. Somos obrigados a saborear cada uma dessas aventuras porque são elas que formam o amplo mosaico sobre o qual os personagens se movem. E como não se movem numa única direção, nem em tempo linear, o(s) espaço(s) e o(s) tempo(s) nos carregam para o desconhecido e nos levam e trazem para pontos aparentemente conhecidos, mas agora mais significativos, porque pudemos refletir sobre eles.

Assim, de uma ponta à outra da obra, seguimos passo a passo um certo Juca Peralta, até sermos, aí sim!, atirados no turbilhão que também o arrasta.

Dito desta maneira parece uma obra de difícil leitura. Mas Juca Peralta é um grande enganador, um sedutor treinado nas rodas boêmias da Belo Horizonte dos anos de 1930 (fim da belle époque que ainda está presente em muitos prédios de BH). Ninguém resiste aos encantos desse personagem ao mesmo tempo indignado, cínico, corajoso que não nos dá tempo de chorar o leite derramado e já parte para outra. Vamos no trem do sertão, no trem fantasma-carnavalesco que circula nas madrugadas e com Juca entramos pelas brenhas de um Estado das Minas Gerais tão cosmopolita quanto BH e tão cruel quantos as veredas de seus sertões. Tudo convive neste romance e se desdobra em novas paisagens, novos sentimentos, velhas e renovadas vidas - angústias e esperanças diante de seus começos e de seus fins. É preciso ler para crer.

A capital – Belo Horizonte – recebe um carinhoso tratamento, recuperando suas paisagens já perdidas. Os personagens que circulam ali e nos lugares visitados por Juca em suas viagens são tipos mineiros que ora batalham por preservar a herança de uma história perdida ou mal contada, ora para exemplificar as eternas rixas políticas que acabavam em morte ou coisa pior. Mas são as surpresas do romance que é preciso saborear. Elas vão surgindo lentamente, no trote manso de um cavalinho muito bem treinado a quem foi destinado puxar sobre o palco de nossas mentes de leitores uma cortina de renda bordada.

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