quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O Nome, a caixa e a pérola

Os leitores do Juca Peralta devem ficar atentos para um acontecimento ainda mais extraordinário que os próprios negócios do Juca. Existiu, ao longo da tessitura da obra, uma Leitora, real. Se o romance foi provido de alguma qualidade literária, acreditem, esta Leitora está implicada nisso, até o pescoço. Seu nome está lá, creditado ou, melhor dizendo, em registro criptográfico, pois não estou autorizado a revelá-lo, abertamente. Houve, acreditem, muita magia ao longo da confecção desse livro. E enquanto aguardo, de modo muito tranquilo, as primeiras críticas, vou, para acalmar esta minha tranquilidade, continuar falando um pouco mais do Vassallu, agora pela voz de Edith Piza Peralta, em um texto publicado em 30/03/2006. Voilà:

Uma caixa de Pandora e sua pérola escondida
Edith Piza

Acabo de ler Vassallu, de Sérgio Mudado.

Não posso traduzir, ainda, todo o impacto deste romance sobre mim, porque Vassallu foi criado para ser refletido e madurado na mente e no coração do leitor. Entretanto, há coisas que não querem calar:

Impressionou-me primeiramente o narrador. Que belo narrador! É e, ao mesmo tempo não parece ser, onisciente; igualmente é, e não parece ser, onipresente. Narra a história em primeira pessoa, para um príncipe; e preocupa-se em ser fiel aos fatos. Tudo que sabe (e sabe de tudo) testemunhou; aquilo de que não foi testemunha faz com que se acredite que tenha deduzido logicamente. É ele a personagem que nos guia para todo canto, para o interior de outros personagens, para dentro daquele mundo, daquele tempo, daquelas histórias de seres humanos, de suas virtudes e paixões, de seus duplos e seus fantasmas. Não há como não segui-lo e sempre esperar por mais. Seu prazer, e ele não esconde, é intrigar, espionar e assistir as conseqüências trágicas de suas táticas. Busca conhecimento sobre tudo, como quem busca água no deserto. Conhecimento que dá poder, para manejar o destino do mundo e dos homens. Incansavelmente curioso, lê tanto nas estrelas, como nas entrelinhas das almas que cativa, ou das que ameaça.

E aí, vem a segunda impressão. Certamente estamos diante da antiga luta entre o Bem e o Mal, como outros apontaram. Entretanto, pressinto que o que se passa em Vassallu é uma história sobre a construção do Mal. Como construtores do mundo, temos o poder de nomear seres e coisas. Uma vez nomeado o ser, ou o objeto, ele ganha as dimensões que lhe dermos. Bem e Mal não estão nos seres e nas coisas, mas naquilo que o conjunto mais poderoso da sociedade nomear como do Bem ou do Mal. Nada, neste romance é, em si, absoluto e nada, nem ninguém, tem apenas duas faces. Talvez por isso os personagens sejam marcados pelo signo da ambigüidade. Não se pode resolvê-los pelo simples apelo a um Bem absoluto contra um Mal absoluto. Nada se supera; tudo convive. Também Deus e o Diabo; eles igualmente ambíguos, (re)construídos a cada época, na boca dos homens. Aquilo que se comete com ferocidade de demônios é o que o “deus” – (re)inventado por aqueles que o colocam como fiador de suas crueldades - espera e abençoa.

Sob a capa da fé e do temor a Deus, o discurso do narrador deixa transparecer uma intrigante e lúcida descrença, no interior da qual todo bem e todo mal é possível, porque é humano. Mas, não ético (e a ética é também construção). A ética serve para alguns, mas não para outros. Os fanáticos, os gananciosos, os ávidos de poder desconhecem-na propositadamente, ou a invertem. Para estes, Deus tem muitos nomes e nenhum é sagrado. E o Diabo? Ao diabo com ele! Que nos sirva de testemunha!

Em fim, ler Vassallu é como entrar na espiral da História e se encontrar em alguma volta, onde passado e presente se defrontam, como universos paralelos. Tudo nos parece muito distante e muito próximo. Como diria o narrador: Uh! Não e não, sire, não é mera coincidência.

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