sábado, 20 de novembro de 2010

Monteiro Lobato

Conheci, aos dez anos de idade, a obra infantil de Monteiro Lobato. Por que cargas d’água meti as mãos num primeiro livro desta coleção, que pertencia a minha irmã, não faço idéia. Espiei, tomei um volume da estante e, curioso, abri suas páginas. Até o cheiro exalado das folhas era bom... Ali começava uma aventura que mudaria toda a minha vida: o prazer da leitura, e as extraordinárias maravilhas que isto encerra. Além de todos os perigos. Ora, não me estenderei muito nisso. Digo apenas que, o moleque que não saía da rua, para o espanto de sua mãe, doravante passava horas e horas, enfurnado, lendo, lendo, lendo sem parar as aventuras de Pedrinho, Narizinho, Emília, do Visconde, do Marquês de Rabicó... Muitos passaram por esta maravilhosa experiência e sabem muito bem o que estou falando.
Assim, quando entrei no ginásio, conhecia todos os fundamentos da Mitologia Grega, lidos, avidamente, nos Os Doze Trabalhos de Hércules... No entanto, o que mais importou realmente foi outra coisa. Ao término da história de O Saci, aconteceu algo que jamais me esquecerei. Depois da aventura tremenda, Pedrinho (eu, é claro) e o saci enfrentando juntos perigos medonhos – até mesmo a terrível Cuca – pois exatamente neste momento de glória, o saci, sem se despedir de ninguém, vai embora, parte para nunca mais voltar. Justamente quando se tornara tão amigo e querido de todos os habitantes do Sítio da Dona Benta e, pela magia da leitura, amigo principalmente deste leitor-mirim, enfeitiçado. Ai! Aquilo me produziu aperto no coração, nó na garganta, uma tristeza esquisita, cheia de saudade e abandono... No entanto, a redenção! O saci havia deixado uma lembrança, assim narrada pelo autor: “Que é do saci?” Procuraram-no por toda parte, inutilmente. O heróico duendezinho duma perna só havia desaparecido. – Ingrato! – exclamou Narizinho com tristeza. – “Foi-se embora sem nem ao menos despedir-se de mim...”
De noite, porém, ao deitar-se, verificou que havia sido injusta. Em cima do travesseiro encontrou um raminho de miosótis que não podia ter sido posto lá senão pelo saci. Miosótis em inglês é forget-me-not – que significa não-te-esqueças-de mim.
Fui invadido por uma sensação forte e boa. Fechei o livro, afaguei-o e, num gesto irresistível, abracei-o forte contra o peito. A bela história, o raminho de miosótis, todo o seu significado, produziu um abalo na alma do menino de dez anos, em sua primeira leitura de verdade. Percebi-me diferente, alguma coisa muito importante tinha acontecido comigo – senti que não era o mesmo, que jamais seria o mesmo. Um abalo perene... Outro mundo abriu-se ali, ou, visto de outra forma, algo sobrenatural marcou-me a testa. Com o passar dos anos, percebi que este sinal era abençoado e palmilhou o meu caminho para pretender alcançar o que talvez denominemos Liberdade.

Um comentário:

  1. O estálo. A lembrança adulta da infância revista pelos livros. Nossa geração foi agraciada por pais que compravam livros, e livros do Monteiro Lobato, para os filhos.

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