quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Benedito Nunes




Benedito Nunes

“... Ó memória, toma cuidado com tuas rosas de sal. A grande rosa da noite alberga a estrela em seu seio como um besouro dourado.”

Retiro o verso acima do livro Crônica (Chronique) da obra de Saint-John Perse. Já ouviram falar desse poeta maior? Ele me foi apresentado pela poetisa paraense Lília Silvestre Chaves (E todas as orquestras acenderam a lua) que prefacia a obra, uma edição bilíngüe, com tradução de Benedito Nunes e Michel Riaudel.
Saint-John Perse nasceu em 1887, numa pequena ilha das Antilhas cujo nome parece um verso capaz de fazer brotar poetas: “Saint-Leger-les-Feuilles”.
Assim conheci o Perse. E o Benedito Nunes.
Vi o velho mestre, pela primeira vez, participando de uma mesa redonda na Faculdade de Letras da UFMG. Encontrava-me ao lado de Lília Chaves, e me era impossível desviar o olhar da luz que parecia fulgurar da cabeça de barba e cabeleira brancas do grande homem. Podíamos sentir: ele tirava das palavras alimento e alegria. Magnetizado, solicitei a poetisa, também uma pintora excepcional, que fizesse a caricatura do professor, naquele momento. Ela retirou da bolsa papel e lápis. Captou: o resultado foi pra lá de bom. Vocês podem ver, com os próprios olhos, o Tio Bené em ação, luminoso, parecendo atender ao chamado de Perse: “Ergue a cabeça, homem da noite. A grande rosa dos anos gira em tua fronte serena.”
Retorno a Perse nas palavras de Lília. Chronique foi escrito e publicado em 1959, um ano antes de o poeta receber o Prêmio Nobel. Dedicado a Chronos – o Tempo – ao Homem e à Terra. Trata-se de um cântico à existência da Humanidade. “Errantes, ó Terra, sonhávamos...”
Volto a Benedito Nunes. Nem por sonhos mais insanos e ousados, naquele momento, naquela platéia, eu poderia imaginar que teria, no futuro, dois romances meus – Vassallu e Juca Peralta – apresentados pelo grande mestre paraense.

Quanto privilégio. Quanta honra.




Um comentário:

  1. Numa tarde de 2007 entramos, eu e Lily, no sebo Ornabi, em São Paulo. Seu Luis, falecido recentemente, encontrava-se, com seus quase 90 anos, no alto de uma escada, mexendo em prateleiras do espaço que fora o maior sebo do Brasil, prestes, então, a se fechar. Lily disse: Seu Luis, meu tio sempre fala de seu sebo. -E quem é o seu tio? - Na verdade não é meu tio, mas eu o chamo de Tio Benê, o Benedito Nunes! - Uma pessoa muita culta, conversavamos muito, respondeu Seu Luis, com seu sorriso de paixão por livros, por quem gostava de livros, por quem escrevia livros. E falecido o português que adotou o Brasil e distribuiu cultura, hoje recebi a notícia da morte de Benedito Nunes. Daí que escrevo e neste blog. Sérgio Mudado o viu uma única vez, pelo que conta. Mas terá Benedito Nunes em todos os dias de sua vida. E seus filhos e netos e bisnetos herdarão esse bem imaterial e valioso, a generosidade da pessoa que buscava a criação, em si e nos outros. Benedito Nunes apresentou, brilhantemente, os dois últimos livros de Sérgio, Vassallu (pela Altana) e As Aventuras Extraordinárias de um certo Juca Peralta (pela Crisálida). Uma riqueza infinda. Como acredito ser infinda a dor de minha querida Lily.

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