domingo, 5 de junho de 2011

ENCANTAMENTO

"Desse lugar não há caminho que se venha.
E, no entanto, eu a vejo ali,
junto às folhas secas do jardim,
há tanto tempo abandonado.

Mas vejo uma mulher imóvel,
como se dentro de um quarto,
sendo a moldura o canteiro,
ou meu pobre olhar amargurado.

Os pés estão quase suspensos,
e o corpo se fez de fino pólen.
Ainda posso enxergar a face,
que, apesar de tudo, me sorri.

Vinda de onde não se vem,
permanece sentada no jardim.
Tenho receio de assustá-la,
com qualquer ruído ou movimento.

Não posso, sequer, me aproximar.
Devo olhá-la de longe, cuidadoso,
sem dizer uma única só palavra,
sempre calado e sempre distante.

E penso quando irá embora,
se poderá voltar outro dia,
desse ausência de muitos anos,
e dessa vasta e lenta agonia."

O Tratador de canários, de Gilberto Nable

Um comentário:

  1. O que não se deixa apreender, que escapa, estranhamente permanece, arrebata e dilacera.

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